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De um Único AlentoDE UM ÚNICO ALENTO -
Uma Interpretação Perdida do Pai-Nosso

Sir Paul Dukes, K. B. E. - 72 páginas - edição brochura - R$29,00
85.86204-06-4

(leia um trecho)

Em meio ao auge cultural e à agitação intelectual da Rússia pré-revolucionária, um jovem inglês, estudante de música, lança-se em uma aventura espiritual. Conduzido por uma trajetória sinuosa até chegar a um apartamento retirado, decorado com tapetes orientais, ele conhece o misterioso Príncipe Ozay. A experiência aqui revelada tem como foco o jovem estudante, em sua vida interior de homem, e uma assombrosa interpretação do Pai-Nosso mediante uma técnica que faz fundir a oração, a música e a respiração a fim de tocar as mais secretas profundezas da alma.

Como que fascinado, sentei-me cheio de expectativa. O som da nota cantada tinha um efeito singularmente penetrante. Sentia-me como se ele tivesse entrado direto dentro de mim. Pouco depois ele disse: - Como você vê, embora as palavras contenham um significado profundo, elas não são a coisa mais importante. Existem dúvidas, inclusive, de que as palavras nos tenham sido transmitidas corretamente. As versões diferem e introduziram-se diferenças leves e delicadas pela tradução. A coisa mais importante acerca da oração é que ela é uma medida conveniente de um único e exercitado alento.

O mestre espiritual George Ivanovitch Gurdjieff (1866-1949) chegou a Moscou e São Petersburgo depois de uma longa odisséia através de mosteiros e escolas esotéricas ocultas do Médio e Extremo Oriente. Gurdjieff havia sido guiado por suas perguntas que lhe absorviam toda a atenção e energia: Qual é o sentido e o propósito da vida sobre a Terra e, em particular, da vida humana? Esta busca fez com que gradualmente chegasse a ele o antigo conhecimento que mais tarde levou ao Ocidente.


Sir Paul Dukes, K. B. E.

Desde de sua mais tenra infância como o filho de um ministro pároco na Inglaterra, Paul Dukes, nascido em 10 de fevereiro de 1889, foi atraído pelo mistério. Sua jovem mente se vivificava com o desejo de ver e conhecer o que se ocultava por detrás da aparência das coisas. Seu espírito de aventura e sua paixão por atividade física enérgica se balanceavam e complementavam com um profundo sentimento pela música e uma sensação de seu poder para nos vincular a uma ordem mais alta.
Nestes primeiros anos Dukes interessava-se por teosofia, espiritualismo e hipnotismo e investigava fenômenos de cura "espiritual" no momento em que ocorre o que é relatado neste ensaio. Paul Dukes tem a honra de ser o primeiro aluno inglês de Gurdjieff. Ele foi membro da Comissão anglo-russa de 1915 até 1918 e serviu como um oficial da Inteligência Britânica na Rússia entre 1918 e 1919. A cargo de uma comissão itinerante de investigação na Rússia européia, sua fluência em russo, sua habilidade para disfarçar-se, sua audácia e disponibilidade para cruzar fronteiras em zonas de perigo fizeram-no viver numerosas aventuras à serviço de seu país.

 

TRECHO DO LIVRO

Uma noite, bastante tarde, Lev Lvovitch me disse: "Quero que conheças alguém. Vem comigo". Ele não deu nenhuma explicação, a não ser indicar que a pessoa que íamos ver era um "daqueles como há muito poucos no mundo". Também exigiu uma discrição total sobre nossa visita, já que esse homem se encontrava "escondido". Por quê? Ele não explicou.

Encaminhou-se para uma casa no final de uma pequena ruela não muito longe da estação Nikolai. Ali tocou a sineta de uma porta no final de uma escada descoberta que sugeria modestas habitações burguesas. Fomos introduzidos num apartamento bem simples. Lev Lvovitch cumprimentou a mulher que nos recebeu, porém não me apresentou a ela. Encaminhou-se diretamente até o final do corredor e abriu uma porta. O vão da porta parecia ter sido obtido diretamente da parede do apartamento contíguo, que era mais amplo e suntuoso. Havia um acentuado toque oriental em sua decoração. As paredes do vestíbulo estavam adornadas com tapetes; lustres em ferro batido, com cristais coloridos, resplandeciam contra o teto. Movendo-se como se estivesse em sua própria casa, Lev Lvovitch entrou em uma das salas e logo veio indicar-me, por meio de sinais, para segui-lo.

A sala, bastante ampla, estava revestida com cortinas e outras tapeçarias, iluminada de forma harmoniosa. Num canto havia um sofá grande e baixo, repleto de almofadas de cores variadas. Neste sofá dois homens estavam sentados, as pernas cruzadas, jogando xadrez com peças de um feitio esplêndido. Em uma mesa octogonal ao lado deles, havia café e xícaras. De quando em quando os jogadores estendiam as mãos para tomar um gole. Julgando pelas aparências, nenhum dos dois era europeu. Um, que ostentava um roupão de seda padronizado e um turbante, era atarracado, moreno, com uma barba curta, espessa e negra. O outro, vestido com um traje comprido e um lenço no lugar de gravata, apresentava uma tez bronzeada e curtida, as maçãs do rosto proeminentes, os olhos amendoados e um pequeno cavanhaque. A não ser por uma leve inclinação com a cabeça, nenhum deles prestou a menor atenção à nossa entrada. Continuaram seu jogo, trocando comentários em uma língua que eu não podia compreender.

— Café? — perguntou-me Lev Lvovitch, apontando para um tamborete.

Serviu o café e se pôs a olhar o jogo. A partida terminou de modo muito rápido, em meio a uma discussão presumivelmente sobre como o perdedor deveria ter jogado num momento decisivo. Aparentemente havia vencido o homem com o turbante. Virou o rosto e ao ver-me disse, como se eu tivesse estado ali toda a noite:

— Você joga? — ele falou com um sotaque russo acentuado.

— Não muito bem — respondi — , mas eu gosto.

Como resposta fez um gesto convidando-me a ocupar o lugar do oponente anterior, que levantou-se para ceder o lugar, entabulando uma conversa animada com Lev Lvovitch.

— Retire os sapatos se quiser ficar à vontade — disse meu anfitrião.

Fiz como sugeriu, envergonhando-me ao descobrir que tinha um belo buraco em uma das meias. Procurei ocultá-lo ao cruzar as pernas, mas, para meu embaraço, ele havia percebido e, sorrindo, disse:

— Você é favorável à ventilação? Muito bem. Nada como um pouco de ar fresco!... Brancas ou pretas? — E estendeu seus punhos cerrados com os dois peões.

Quando escolhi o branco me dei conta que a outra mão também continha um peão dessa mesma cor.

Agora, sentado diante dele, podia ver que seus olhos escuros, cujo brilho me atravessava, eram ao mesmo tempo compassivos e de um humor fulgurante. Eu estava agitado, mas de todo modo não me sentia qualificado para ser seu oponente. Foi-lhe extremamente fácil ganhar a partida.

— Nichevo — não importa — ele disse. — Espero que você tenha muitas ocasiões de ir à desforra. — Fez uma leve inclinação com a cabeça, ao mesmo tempo que estendia ambas as mãos para indicar que eu seria bem recebido.